Química da Água I,

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Artigo publicado no Boletim da Associação Portuguesa de Killifilia Vol. I, nº1 Jan./Fev. 1999

Por: Luis Sousa

Quem se inicia no aliciante hobby que é a criação de killies já normalmente teve experiências anteriores com peixes tropicais – sejam eles vivíparos, barbos, caracídeos ou ciclídeos, e tem por isso, necessariamente, alguns conhecimentos, ainda que rudimentares, acerca da importância do tipo de água a utilizar e dos cuidados a ter com ela.

Contudo, e sejam, ou não, os killies os protagonistas de um primeiro contacto com a aquarofilia, todos nós devemos ter um conhecimento minimamente detalhado dos aspectos químicos (e biológicos, até porque estão intimamente interligados) da água que utilizamos e mantemos nos nossos aquários. Dela depende o bem estar dos nossos “hóspedes”, sendo um factor condicionante da sua reprodução e até da simples manutenção. Com efeito, muitos killies toleram características da água extremas, mas devemos distinguir a situação em que um peixe se encontra bem ambientado às condições que lhe são oferecidas (o que se reflecte, de forma nítida, na sua coloração, crescimento, dimensões atingidas e propensão a reproduzir-se) e a situação em que ele apenas suporta (ou sobrevive) num meio que lhe é hostil e por vezes envenenante.

Dito isto, repete-se que a maioria dos killies não são particularmente exigentes com grande parte das características químicas da água em que vive, até porque, em muitos casos, no seu habitat, estas variam profundamente ao longo das suas vidas. Este facto é particularmente evidente no caso das espécies anuais. Há contudo duas regras importantes a seguir:

1 – Devem-se efectuar mudanças de água tão frequentemente quanto possível, particularmente no caso de aquários pequenos, sobrepovoados ou em que se efectue uma sobrealimentação.

2 – As mudanças de água devem ser contudo realizadas com moderação no que se refere à percentagem de água mudada, já que se deve evitar mudanças bruscas da química da água (por vezes tão ou mais nefastas do que manter uma água antiga e já ligeiramente poluída) – excepto em casos de contaminação extrema.

Os alevins, e os peixes mais idosos, são muito sensíveis ao correcto acompanhamento das regras enunciadas acima.

Vejamos então quais os principais parâmetros da água a que devemos estar atentos:

1 – pH
O pH é uma medida da acidez da água, traduzida numa escala – a escala de Sørenson.
Esta está relacionada com a concentração1 dos iões H3O+ na água. Concretamente:
pH = – log10 [H3O+],
em que [H3O+] traduz a concentração de H3O+

ou seja, quanto menor o pH mais ácida (isto é, mais rica em iões H3O+) é a água. O facto da escala de pH ser logarítmica quer dizer que a um pH de 6.3 teremos 10 vezes mais iões H3O+ presentes do que a um pH de 7.3.

Estes iões participam na água numa reacção química que se pode traduzir do seguinte modo:

H3O+ + OH- 2 H2O

(isto é, cada ião H3O+ reage com um ião OH- dando duas moléculas de água, H2O. A reacção dá-se também no sentido inverso)

Quando, na água, a concentração de iões H3O+ é superior à de iões OH-, a água diz-se ácida. No caso contrário a água diz-se básica, ou alcalina. Na situação em que as duas concentrações são idênticas a água diz-se neutra. A 25ºC, isto equivale a um pH com um valor 7. Uma água ácida terá então um pH inferior a 7 e uma água alcalina um pH superior a 7. A escala de Sørenson encontra-se definida de 0 a 14.

O pH é importante, não só por aquilo que traduz directamente – isto é a concentração dos iões H3O+- mas também por uma série de outros parâmetros que dele dependem. Com efeito, o pH é condicionante do equilíbrio biológico (particularmente o microbiológico) da água, bem como da presença, em menor ou maior quantidade, de uma grande variedade de espécies químicas. Mudanças bruscas ou valores extremos do pH denotam um desequilíbrio profundo na água dos nossos aquários e são, quase sempre, um sinal de alarme.

Medição
O pH pode ser medido com recurso a indicadores – tiras de papel ou produtos líquidos que se colocam em contacto com uma pequena amostra da água do aquário. A cor que adquirem dá uma indicação do valor do pH. Uma alternativa, mais exacta mas mais dispendiosa, é o recurso a instrumentos electrónicos que fazem uma leitura directa do valor do pH.

Alteração do pH da água do aquário
Existem no mercado múltiplos produtos para a alteração do pH da água do aquário. Podemos contudo recorrer a alternativas mais económicas, que deverão no entanto ser acompanhadas por medições do valor do pH ao longo do processo.

a) Baixar o valor do pH
A alternativa mais natural, principalmente para aquários de killies, é a adição de turfa. Ao colocarmos turfa, que não tenha sido exaustivamente fervida ou neutralizada quimicamente nos filtros ou no fundo do aquário, esta vai libertar lentamente ácidos orgânicos (os ácidos húmicos) que farão baixar progressivamente o valor do pH. Nos primeiros dias o pH deverá ser medido periodicamente de modo a verificar se não baixa demasiadamente. Em águas muito duras, todavia, a adição de turfa não é efectiva já que os compostos presentes na água neutralizam os sais húmicos.

Outra alternativa é a adição, lenta e cuidadosa, de dihidrogenofosfato de potássio (KH2PO4) ou de dihidrogenofosfato de sódio (NaH2PO4). Neste caso, a adição deverá ser acompanhada por medições alternadas do valor de pH. Estas medições deverão ser feitas 30 a 60 minutos após a adição do produto, e caso a descida do valor do pH não tenha ainda sido suficiente deverá então ser feita nova adição.

b) Aumentar o valor do pH
O pH pode ser aumentado incrementando a presença de alguns sais na água – tal é, contudo, acompanhado pelo aumento da dureza da água. Colocando algumas pedras calcárias na água estas sofrerão uma ligeira dissolução e o carbonato de cálcio que então se liberta vai participar em reacções que farão subir o pH. Há que ter em conta que esta dissolução, lenta e gradual, é permanente pelo que os valores do pH (e da dureza) deverão ser atentamente acompanhados.

A adição de hidrogenofosfato de potássio (K2HPO4) ou de hidrogenofosfato de sódio (Na2HPO4) é um processo mais fácil de controlar. Neste caso, a adição deverá ser acompanhada por medições alternadas do valor de pH. Estas medições deverão ser feitas 30 a 60 minutos após a adição do produto, e caso o aumento do valor do pH não tenha ainda sido suficiente deverá então ser feita nova adição. Caso se pretenda uma subida mais acentuada do valor do pH (desaconselhável, contudo, para a maioria das espécies de água doce) pode-se recorrer à adição de carbonato de sódio (Na2CO3).

O efeito tampão
A adição de pequenas quantidades de substâncias que façam alterar o pH da água nem sempre tem resultados notórios. Por outro lado nem sempre a quantidade de produto a adicionar é a mesma para aquários semelhantes onde se pretenda introduzir a mesma alteração do valor do pH. Isto deve-se à presença na água de substâncias que têm um “efeito tampão”, isto é, vão permitir que o pH se mantenha relativamente fixo em torno de um determinado valor. Só adições consideráveis de produtos que alterem o pH vão permitir a alteração desejada. Até certo ponto, e desde que o pH não estabilize em valores indesejados, este efeito é benéfico, pois caso contrário qualquer pequena perturbação poderia induzir a profundas alterações no equilíbrio químico e microbiológico dos nosso aquários.

Os habitats
Embora muito variável, podemos dizer que na maioria dos casos, os peixes da floresta (por exemplo, muitas espécies de Aphyosemion) vivem em zonas de águas ácidas, fruto da decomposição da matéria orgânica como folhas caídas nos charcos.

A presença de elevadas concentrações de alguns sais leva a que a água de alguns habitats seja marcadamente básica (alcalina), como no caso dos locais onde vivem os Nothobranchius, particularmente com o avançar da estação seca.

1 Concentração – Dá a indicação da quantidade de uma dada substância, dissolvida em determinado volume de uma solução. Quanto maior a quantidade dessa substância presente no mesmo volume maior é a sua concentração.