Artigo publicado no Boletim da Associação Portuguesa de Killifilia Vol. II, nº6 Nov./Dez. 2000
Por: Alberto Reis
Os killies do género Rivulus têm sido relativamente “mal-amados” pelos killiófilos em geral apesar de contarem com especialistas de peso que os amam com toda a dedicação ao ponto de praticamente não manterem killies de outros géneros. No início não me entusiasmei com os representantes que conhecia por fotografias e ao vivo. Seduzido pela coloração imediata dos Aphyosemion, menosprezei os Rivulus, tendo-os apelidado de “Aphyosemions descorados” o que muito escandalizou um adepto convicto destes peixes (Paulo José Alves). Dois anos depois retracto-me publicamente pelo erro. Errar é humano, e reconhece-lo, ainda mais! De facto, apesar de manter a opinião de que os Rivulus apresentam um padrão de cores menos chamativo do que os Aphyosemion, têm uma postura muito inteligente em aquário, e os seus hábitos de vida são muito mais peculiares. E as fêmeas são, em relação às correspondentes nos Aphyosemion, mais atraentes.
Esta correspondência Aphyosemion-Rivulus não é nova. Vivem em biótopos relativamente semelhantes. Abundam nos pequenos riachos de floresta primária e secundária com água pouco profunda, geralmente bastante ácida e pouco mineralizada, muitas vezes desprovida de plantas aquáticas, onde as folhas secas caídas podem recobrir o fundo ou uma parte. Alimentam-se de insectos aquáticos e terrestres. Geralmente depositam um pequeno número de ovos mas de dimensão relativamente grande comparativamente ao tamanho da fêmea. Os Aphyosemion vivem na África ocidental, os Rivulus vivem do lado oposto do Oceano Atlântico, no continente americano. Talvez tenham tido uma origem comum quando os dois continentes estiveram ligados há já muitos milhões de anos.
Mas há diferenças que indicarei mais tarde.
O género Rivulus está muito bem representado. Resistiu de uma forma notável à onda de reclassificações taxonómicas que fizeram desdobrar alguns géneros em vários géneros novos. Apresenta ainda mais do que 50 espécies, sendo o género que contém mais espécies a seguir aos Aphyosemion. Os seus representantes espalham-se praticamente ao longo de toda a América do Sul e Central de clima tropical e subtropical que é atravessada por cursos de água permanente a uma altitude não superior aos 1000 metros. Também colonizaram as ilhas das Caraíbas e o estado da Florida, no sueste dos EUA (limite de distribuição norte). O limite sul é na Argentina, já com clima temperado.
À excepção do Rivulus nicoi, que é anual, habitando os llanos da Venezuela (ter-se-á adaptado à mudança de condições climatológicas nesse local?), todas as restantes espécies são não anuais, com um desenvolvimento dos ovos variável de 2 a 5 semanas.
As dimensões também são variáveis, com uma gama entre 3 cm (nicoi) e 15 cm (igneus), com predominância entre 4 e os 7 cm para a maior parte das espécies.
Vamos às diferenças em relação aos Aphyosemion. O padrão das cores é menos marcante nos machos. As barbatanas geralmente são arredondadas, sem filamentos e menores, em comparação com o tamanho do corpo, que é geralmente cilíndrico. A boca é geralmente pequena. Em aquário geralmente colocam-se numa posição oblíqua, quase parados, movendo apenas algumas barbatanas. O corpo toma muitas vezes, uma forma arqueada. São os campeões dos saltos entre os killies, não perdoando qualquer abertura deixada no aquário, por esquecimento, pelo criador. O resultado é, quase sempre, um peixe jazendo, seco, na alcatifa ou no soalho, algum tempo depois.
Na natureza há descrições de saltos com mais de dois metros de altura. Têm uma enorme capacidade de resistirem fora da água durante horas desde que haja alguma humidade residual. Ocupam poças bastante afastadas dos riachos de origem deslocando-se, aos saltos, durante a noite, pelos terrenos húmidos. Ocupam biótopos muito selectivos, inesperados e marginais (buracos nos troncos grandes, poças deixadas pelos animais, água retida em grandes folhas), muitas vezes para resistir à predação. Nos meus aquários tenho presenciado muitas vezes os meus Rivulus hartii completamente fora da água, espreguiçando-se numa planta flutuante ou encostados aos vidros, quando já os julgava irremediavelmente desaparecidos e, em consequência, mortos. Isto faz com que o seu envio por correio seja muito facilitado, pela diminuição dos volumes de água a transportar.
Quanto à sua manutenção, não é especialmente problemática se tivermos em conta algumas regras básicas. Os aquários devem ser mantidos limpos, devendo-se sifonar periodicamente quaisquer restos de comida. As mudanças parciais de água também devem ser mantidas com regularidade. E os aquários devem ser tapados completamente.
A minha opinião é que são peixes mais robustos do que os Aphyosemion, contraindo menos doenças do que estes. Uma excepção é o Rivulus xiphidius, na minha opinião o mais belo dos Rivulus. Esta verdadeira jóia viva é muito delicada, pelo que não deve ser mantida por iniciados.
Quanto à temperatura deverá oscilar de preferência entre os 22 e os 25ºC, enquanto que a iluminação deve ser difusa, muitas vezes “filtrada” por plantas aquáticas flutuantes.
Quanto à reprodução, há graus de dificuldade muito variável. Os Rivulus hartii são prolíficos. Os ovos e os alevins têm uma dimensão muito considerável e o desenvolvimento das crias dá-se sem problemas, mesmo na presença dos progenitores. O Rivulus xiphidius é um caso diferente. O baixo número de ovos por dia, (2 a 3 por fêmea e por dia) é, no entanto, previsível e reprodutível. Mas os ovos devem ser retirados todos os dias para não servirem de petisco aos pais…Como eu já observei.
Outros há que são muito difíceis de reproduzir. Um casal de Rivulus frenatus Rockstone selvagens nega-se a cumprir o seu dever, apesar de eu ter tentado quase tudo o que estava ao meu alcance. Tive indicações que outros criadores com mais experiência do que eu têm tido grandes problemas com outro Rivulus difíceis e muito belos tal como o Rivulus erberi, do Equador. A incubação pode dar-se no mop colocado previamente no aquário de postura, em água contida em caixa de Petri, em turfa filamentosa e em pano inerte para limpeza humedecida previamente. Às vezes, a adição de um fungicida de largo espectro (ex: Protozin) em quantidades suaves, pode fazer a diferença entre uma eclosão bem sucedida e ovos estragados, muitas vezes perto da data da eclosão, como me tem ocorrido com os ovos de Rivulus agilae. Os alevins têm tamanho suficiente para consumir nauplii e microvermes logo após a nascença. Habitualmente o crescimento dos alevins é lento, atingindo-se o tamanho adulto 1 ano depois.
A alimentação deve ser rica e variada, de preferência viva, tendo até já utilizado formigas, que os meus convidados devoram com sofreguidão. Mas também já habituei Rivulus hartii a comida seca em flocos.
Quanto às minhas preferências destaco, pela sua beleza cativante, o Rivulus xiphidius (confesso a minha admiração para o resto da minha vida), o Rivulus agilae, o Rivulus frenatus, o Rivulus amphoreus Tafelberg, o Rivulus erberi, o Rivulus spec. Mahdia,o Rivulus uroflammeus sgiedfriedi, o Rivulus derhami e o Rivulus limoncochae.